Fariseus

Uma das principais seitas no judaísmo do Segundo
Templo. Os dados de que dispomos acerca
dos fariseus chegaram-nos, principalmente, a partir
dos documentos de *Qumrán, de Josefo, do
Novo Testamento e dos escritos rabínicos. Os escritos
de Qumrán evidenciam clara animosidade
contra os fariseus, a quem qualificam de “falsos
mestres”, “que caminham cegamente para a ruína”
e “cujas obras não são mais do que engano”
(Livro dos Hinos 4,6-8), o que recorda bastante a
acusação de Jesus de serem “cegos e guias de
cegos” (Mt 23,24). Quanto à acusação de Jesus
de não entrarem nem deixarem entrar no conhecimento
de Deus (Lc 11,52), é menos dura do
que a de Pesher de Nahum 2,7-10, que deles diz:
“cerram a fonte do verdadeiro conhecimento aos
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que têm sede e lhes dão vinagre para aplacar sua
sede”.
Ponto de vista diferente é o de Flávio Josefo.
Este se encontrava ligado aos fariseus e tinha
mesmo um especial interesse em que os ocupantes
romanos os aceitassem como coluna vertebral
do povo judeu após a destruição do Templo em
70 d.C. Não nos estranha, portanto, que o retrato
que nos apresenta seja muito favorável (Guerra
2,8,14; Ant. 13,5,9; Ant. 18,1,3). Contudo, as referências
aos fariseus contidas nas obras de Josefo
são contraditórias entre si em alguns aspectos.
Assim, a descrição das Antigüidades (escrituras
c. 94 d.C.) contém um matiz político e apologético
que não aparece na Guerra (c. 75 d.C.). Em Ant.
18,1,2-3, Josefo apresenta-os dotados de grande
poder (algo bem tentador, evidentemente, para o
invasor romano), embora seja mais do que duvidoso
que sua popularidade entre o povo fosse tão
grande. O relato da influência dos fariseus sobre
a rainha Alexandra (Ant. 13,5,5) ou sobre o rei
Herodes (Ant. 17,2,4) parece ter sido concebido
apenas para mostrar o benefício de ter os fariseus
como aliados políticos para um governante que
desejasse controlar a Judéia. Nesta mesma obra,
Josefo retrocede a influência dos fariseus ao reinado
de João Hircano (134-104 a.C.). Na autobiografia
de Josefo, intitulada Vida, escrita em torno
de 100 d.C., encontra-se a mesma apresentação
dos fariseus, mas com algumas referências
muito importantes sobre eles. Assim, sabemos que
acreditavam na liberdade humana; na imortalidade
da *alma; em um castigo e uma recompensa
eternos; na *ressurreição; na obrigação de obedecer
à sua tradição interpretativa. Sustentavam,
além disso, a crença comum no Deus único e em
sua *Lei; a aceitação do sistema de sacrifícios
sagrados do *Templo (que já não era comum a
todas as seitas) e a crença na vinda do *messias
(que tampouco era sustentada por todos). Estavam
dispostos, além do mais, a obter influência
política na vida de Israel.
O Novo Testamento oferece uma descrição dos
fariseus diferente da apresentada por Josefo e nada
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favorável a eles. Especialmente o evangelho de
*Mateus apresenta uma forte animosidade contra
eles. Se realmente seu autor foi o antigo publicano
chamado Levi ou Mateus, ou se foram utilizadas
tradições recolhidas por ele mesmo, explica-se
essa oposição, recordando o desprezo que ele sofreu
durante anos da parte daqueles “que se consideravam
justos”. Jesus reconheceu (Mt 23,2-3)
que os fariseus ensinavam a Lei de Moisés e que
era certo muito do que diziam. Mas também repudiou
profundamente muito de sua interpretação
específica da Lei de Moisés ou Halaká: a referente
ao cumprimento do *sábado (Mt 12,2; Mc
2,27), as abluções das mãos antes das refeições
(Lc 11,37ss.), suas normas alimentares (Mc 7,1ss.)
e, em geral, todas aquelas tradições interpretativas
que se centralizavam no ritualismo, em detrimento
do que Jesus considerava o essencial da lei divina
(Mt 23,23-24). Para Jesus, era intolerável que
tivessem “substituído os mandamentos de Deus
por ensinamentos dos homens (Mt 15,9; Mc 7,7).
Jesus via, portanto, a especial religiosidade
farisaica não como uma ajuda para chegar a Deus,
mas como uma barreira para conhecê-lo (Lc 18,9-
14) e até como motivo de “uma condenação mais
severa” (Mc 12,40). O retrato que os evangelhos
oferecem dos fariseus é confirmado, em bom número
de casos, por testemunhos das fontes
rabínicas e é semelhante, em aspecto doutrinal,
ao que encontramos em Josefo. Embora emitidos
por perspectivas bastante diversas, os dados
coincidem. E, em que pese tudo o que já foi mencionado,
foi com os fariseus que Jesus e seus discípulos
mais semelhanças apresentaram. Como
eles, acreditavam na imortalidade da alma (Mt
10,28; Lc 16,21b-24), num *inferno para castigo
dos maus (Mt 18,8; 25,30; Mc 9,47-48; Lc 16,21b-
24 etc.) e na ressurreição (Lc 20,27-40); e esta
última circunstância, em certa ocasião, salvou um
seguidor de Jesus dos ataques dos *saduceus (At
23,1-11).
As tradições rabínicas a respeito dos fariseus
se revestem de especial importância porque foram
estes os predecessores dos rabinos. Acham-
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se recolhidas na Misná (concluída por volta de
200 d.C., embora seus materiais sejam muito anteriores),
na Tosefta (escrita cerca de 250 d.C.) e
nos do Talmudim, o palestino (escrito entre 400-
450 d.C.) e o babilônico (escrito entre 500-600 d.
C.). Dada a considerável distância de tempo entre
estes materiais e o período de tempo abordado,
devem ser examinados criticamente. J.
Neusner ressaltou a existência de 371 tradições
distintas, contidas em 655 passagens, relacionadas
com os fariseus anteriores a 70 d.C. Das 371,
umas 280 estão relacionadas com um fariseu chamado
Hillel (séc. I a.C.). A escola a ele vinculada,
e oposta à de Shamai, converter-se-ia na corrente
dominante do farisaísmo (e do judaísmo)
nos finais do séc. I d.C.
As fontes rabínicas coincidem substancialmente
com o Novo Testamento e com Josefo (não tanto
com Qumrán), embora nos proporcionem mais
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dados quanto aos personagens-chave do movimento.
Também nos transmitiram críticas
dirigidas aos fariseus semelhantes às pronunciadas
por Jesus. O Talmude (Sota 22b; TJ Berajot
14b) fala de sete classes de fariseus das quais somente
duas eram boas, enquanto as outras cinco
eram constituídas por hipócritas. Entre estes, estavam
os fariseus que “colocavam os mandamentos
nas costas” (TJ Bejarot 14b), o que recorda a
acusação de Jesus de que amarravam cargas nas
costas das pessoas, mas nem com um dedo eles
queriam tocá-las (Mt 23,4). Das 655 passagens
ou perícopes estudadas por Neusner, a maior parte
refere-se a dízimos, ofertas e questões parecidas
e, depois, a preceitos de pureza ritual. Os
fariseus concluíram que a mesa das refeições era
um altar e que as normas de pureza sacerdotal,
somente obrigatórias aos sacerdotes, deviam estender-
se a todo o povo. Para eles, essa medida
era uma forma de estender a espiritualidade mais
refinada a toda a população de Israel, fazendo-a
viver em santidade diante de Deus; para Jesus,
era acentuar a exterioridade, esquecendo o mais
importante: a humildade, o reconhecimento dos
pecados e a própria incapacidade de salvação, o
*arrependimento, a aceitação de Jesus como caminho
de salvação e a adoção de uma forma de
vida em consonância com seus próprios
ensinamentos. Não é estranho que, partindo de
posturas tão antagônicas, apesar das importantes
coincidências, elas se tornaram mais opostas e
exacerbadas com o passar do tempo.
L. Finkelstein, The Pharisees, 2 vols., Filadélfia 1946;
Schürer, o. c.; J. Neusner, The Rabbinic Traditions About
the Pharisees Before 70, 3 vols., Leiden 1971; Idem, Judaism
in the Beginning of Christianity, Londres 1984; Idem, From
Politics to Piety: The Emergence of Rabbinic Judaism, Nova
York 1979, p. 81; J. Bowker, Jesus and the Pharisees,
Cambridge 1973; C. Vidal Manzanares, El Primer
Evangelio...; Idem, Los esenios...; Idem, Los Documentos
del Mar Muerto...; Idem, El judeo-cristianismo...; H.
Maccoby, Judaism in the first century, Londres 1989; E. E.
Urbach, o. c.; A. Saldarini, o. c.; P. Lenhardt e M. Collin, La
Torá oral de los fariseos, Estella 1991; D. de la Maisonneuve,
Parábolas rabínicas, Estella 1985.
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O consentimento dado a uma crença unido a
uma confiança nela. Não pode identificar-se, portanto,
com a simples aceitação mental de algumas
verdades reveladas. É um princípio ativo, no
qual se harmonizam o entendimento e a vontade.
É essa fé que levou Abraão a ser considerado justo
diante de Deus (Gn 15,6) e que permite que o
justo viva (Hab 2,4).
Para o ensinamento de Jesus — e posteriormente
dos *apóstolos —, o termo é de uma importância
radical, porque em torno dele gira toda
a sua visão da *salvação humana: crer é receber
a vida eterna e passar da morte para a vida (Jo
3,16; 5,24 etc.) porque crer é a “obra” que se deve
realizar para salvar-se (Jo 6,28-29). De fato, aceitar
Jesus com fé é converter-se em filho de Deus
(Jo 1,12). A fé, precisamente por isso, vem a ser a
resposta lógica à pregação de Jesus (Mt 18,6; Jo
14,1; Lc 11,28). É o meio para receber tanto a
salvação como a *cura milagrosa (Lc 5,20; 7,50;
8,48) e pode chegar a remover montanhas (Mt
17,20ss.).
A. Cole, o. c.; K. Barth, o. c.; F. F. Bruce, La epístola...,
El, II, pp. 474ss.; Hughes, o. c., pp. 204ss.; Wensinck, Creed,
pp. 125 e 131ss.