Hipóstase

No judaísmo anterior e contemporâneo a Jesus,
surgiram certas categorias de pensamento que
indicavam a existência de hipóstase da divindade.
Destacam-se entre elas: 1. o Anjo de YHVH
(Gn 16,7-13; 22,11-18; 32,24-30; Jz 13,17-22) que
é, sem dúvida, o próprio YHVH. Conforme G.
Von Rad indicou no seu tempo, o Anjo de YHVH
é “o próprio Javé que se apresenta aos homens
sob forma humana”, “idêntico a Yahveh” e “não
se pode afirmar que o Anjo indique um ser a ele
subordinado. Esse Malaj é Yahveh... é o Javé de
uma atividade salvífica especial”. 2. A Sabedoria,
que em Pr 8,22ss. aparece como filha amada
de Deus, nascida antes de todas as criaturas e artífice
da criação. No judaísmo posterior, essa figura
alcançaria inegável importância, conservando
as características já assinaladas (Eclo 1,9ss.;
24,3ss.). O Livro da Sabedoria descreve-a como
“sopro da força de Deus”, “efusão pura do fulgor
do Todo-Poderoso” e “imagem de sua bondade”
(Sb 7,7-8,16). É “companheira de sua vida” (a de
Deus) (Sb 8,3), companheira de seu trono (9,4),
enviada sob a figura do espírito de Deus (9,10;
7,7) e atua na história de Israel (7,27). Nas obras
de Fílon, esta sabedoria é descrita como “filha de
Deus” (Fuga 50ss.; Virt 62) e “filha de Deus e
mãe primogênita de todos” (Quaest. Gen 4,97).
Finalmente, alguns textos rabínicos identificaram
essa Sabedoria preexistente com a *Torá, “filha
de Deus”, mediadora da criação e hipóstase. 3.
Pensamento divino: dele nos fala, por exemplo, o
Manual de Disciplina 11,11. Como a Sabedoria,
está associado a Deus e à sua criação em uma
linguagem que recorda muito a de Pr 8,22ss. 4.
Memrá: no Targum, o termo “Memrá” era uma
das designações para referir-se a YHVH, evitando
antropomorfismos e descrevendo suas ações
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na criação, revelação e salvação. Para citar apenas
alguns exemplos, Memrá é YHVH, que cria
a luz e a separa das trevas (Gn 1,3-5), que intervém
na criação dos animais (Gn 1,24-25) e do
homem (1,26-29), a quem se atribui toda a obra
criativa (Gn 2,2a), que passeia no Éden e dele
expulsa Adão e Eva (Gn 3,8-10), que estabelece
uma aliança com Noé (Gn 9,12-17), que aparece
a Abraão como o Deus dos céus (Gn 17,1-3) e a
Moisés na sarça (Êx 3,2.4.8.12), que intervém no
Êxodo (Êx 11,4; 12,12-13.23.27.29), que luta
contra o exército do faraó (Êx 14,30-31), que tem
poder curador (Êx 15,26), que se revela no Sinai
(Êx 19,3) etc. Memrá, de fato, equivale a YHVH
(Gn 4,26 b) e se equipara ao mesmo Deus dos
céus (Gn 49,23-24).
De todas essas hipóstases, Jesus identificouse
com a Sabedoria, conforme se conclui da fonte
*Q em passagens posteriormente reproduzidas
em Lc 7,35 e 11,49-51. Dessas afirmações de
Jesus — ainda que não somente delas — partiu,
sem dúvida, o desenvolvimento neotestamentário
da doutrina da *Trindade e, muito significantemente,
a identificação joanita de Jesus com a
*Encarnação do Logos-Memrá (Jo 1,1ss.). Os
exemplos tomados do judaísmo, aos quais nos
temos referido, obrigam realmente a pensar que
os conceitos de preexistência e divindade não provêm
do paganismo, provavelmente através do
cristianismo paulino, mas entraram nesse movimento
espiritual a partir do judaísmo e que já estavam
presentes no ensinamento de Jesus e, mais
tarde, no judeu-cristianismo palestino. Além disso,
em sua maioria (a exceção seria, e apenas em
parte, Memrá), tiveram início não na literatura
intertestamentária, mas no Antigo Testamento.
J. Jeremias, Abba...;Idem, Teología del Nuevo Testamento
I...; G. Eldon Ladd, Theology...; R. H. Fuller, o. c.; A. Toynbee
(ed), o. c.; C. Vidal Manzanares, El judeo-cristianismo...;
Idem, El Primer Evangelio...; Idem, Diccionario de las tres...;
F. F. Bruce, New Testament...; M. Hengel, El Hijo...; D.
Muñoz León, Dios-Palabra, Estella 1974; Idem, Palabra y
Gloria...; A. del Agua, La exégesis...; M. Gilbert e J. N. Aletti,
La sabiduría y Jesucristo, Estella 41990