Paulo de Tarso

Nascido com o nome de Saulo ou Saul (10 d.
C.?) em Tarso, cidadão romano e membro da tribo
de Benjamim, estudou em Jerusalém com o
rabino Gamaliel e pertenceu ao rígido grupo dos
*fariseus (Fl 3). Próximo ao ano 33, participou
do linchamento do judeu-cristão Estêvão (At 7).
A caminho de Damasco para prender os cristãos
desta cidade, teve uma visão de Jesus ressuscitado
que o converteu à nova fé (1Cor 15,7ss.). Por
volta do ano 35, dirigiu-se a Jerusalém, onde pôde
comprovar que sua compreensão do cristianismo
era semelhante à dos dirigentes judeu-cristãos
desta cidade (Gl 1,18ss.). Entre 35 e 46 esteve na
Síria e na Cilícia (Gl 1). Estabelecido na comunidade
cristã de Antioquia até o ano 46, retornou a
Jerusalém (At 11,29-30; Gl 2,1ss.), onde tanto ele
como Barnabé receberam a aprovação dos judeucristãos
para ocuparem-se da evangelização entre
os *gentios. Isso daria origem à primeira viagem
missionária de Paulo (47-48) por Chipre
(Barnabé era cipriota) e Galácia. Por volta do ano
48, Paulo escreveu a Epístola aos Gálatas, na qual
deixa claro que: 1. a salvação vem pela fé, sem as
obras da Lei, e os cristãos gentios não estão submetidos
a esta; 2. essa afirmação é compartilhada
pelos judeu-cristãos da Palestina; 3. o próprio
*Pedro aceitava esse ponto de vista, embora, em
certa ocasião, não tivesse sido coerente com ele,
mesmo por razões de estratégia missionária, o que
provocou uma discussão com Paulo em Antioquia
(Gl 2,11ss.). Em torno do ano 49, Paulo participou
do Concílio de Jerusalém, no qual se afirmou
que a salvação vinha pela graça e não pelas
obras da Lei (At 15,8-11). Os pagãos, portanto,
não estavam obrigados a guardar a Lei de Moisés,
mas seria conveniente que as Igrejas de Antioquia,
Síria e Cilícia adotassem determinadas medidas
para evitar o escândalo dos convertidos do judaísmo
(At 15,22-31). Nesse mesmo ano, Paulo
iniciou sua segunda viagem missionária, desta
vez acompanhado de Silas, pela Ásia Menor,
Macedônia e Acaia (At 16-17). No ano 50, escreveu
as duas Epístolas aos Tessalonicenses e, de
50 a 52, esteve em Corinto (At 18). Ainda em 52,
foi a Jerusalém e, a seguir, iniciou sua terceira
viagem missionária: Éfeso, Macedônia, Ilíria e
Acaia (At 19-20). Nessa época, escreveu as Epístolas
aos Coríntios (55-56) e aos Romanos (inícios
de 57). Em maio desse ano, visitou — pela
quarta e última vez — a Igreja judeu-cristã de
Jerusalém, levando donativos das Igrejas fundadas
por ele. Foi calorosamente recebido por
*Tiago, o irmão de Jesus, o qual lhe rogou que,
para silenciar os ataques que se faziam por ele
levar os judeus a apostatar a Lei, concordasse em
pagar os votos de uns jovens *nazireus (At 21,1-
16). Paulo aceitou a sugestão, porém em sua visita
ao Templo foi atacado pela multidão que o acusava
de ali introduzir pagãos (At 21,17ss.). A intervenção
dos romanos e sua transferência para
*Cesaréia salvaram a vida de Paulo (At 22,23);
contudo, permaneceu encarcerado até 59 (At 24).
Vista sua causa pelo procurador Festo, na presença
do rei Agripa, apelou para *César, que decidiu
transferi-lo para Roma, para onde partiu em setembro
de 59 (At 25,6). Após uma viagem
acidentadíssima (At 27,1-28,10) — que incluiu
um naufrágio —, Paulo chegou a Roma em fevereiro
de 60 (At 28,11ss.). Até o ano 62, submeteu-
se à prisão domiciliar, durante a qual escreveu
as cartas da prisão (Efésios, Filipenses,
Colossenses e Filêmon). Mais tarde, segundo alguns
autores, foi executado depois de escrever as
epístolas pastorais (1 e 2 Timóteo, Tito), supondo
que as mesmas sejam de sua autoria. Outra hipótese
é que fora libertado por volta de 62, por prescrição
da causa, e tenha visitado a Espanha em
torno de 65. Detido durante esse período (em 64
foi o incêndio de Roma), teria sido transferido para
Roma, onde sofreu o martírio. A datação das cartas
pastorais fixar-se-ia, então, por volta de 65, a
não ser que se aceite o seu caráter deuteropaulino.
A partir dos estudos da escola de Tubinga no
século XIX, a figura de Paulo vem-se contrapondo
à de Pedro e demais dirigentes judeu-cristãos,
assim como à de Jesus. Paulo não teria mostrado
nenhum interesse pelo Jesus histórico; teria
paganizado o cristianismo, adotando a divindade
de Cristo e sua morte expiatória como eco das religiões
mistéricas, e negado o valor da Lei. Apesar
de tudo, Paulo seria o verdadeiro fundador do cristianismo
posterior. Esse ponto de vista — bastante
condicionado pelo hegelianismo por ver Pedro
como tese, Paulo como antítese e o cristianismo
como síntese — é, historicamente falando, totalmente
insustentável, e sua repetição só pode ser
explicada por um descaso absoluto pelo estudo das
fontes, acompanhado da adoção de apriorismos
procedentes da filosofia e não da ciência histórica.
Em muitos aspectos, Paulo foi um pensador original
— e brilhante —, contudo sua originalidade
relaciona-se mais com a forma do que com o pensamento,
mais com a expressão do que com o conteúdo.
Ambos são profundamente judeus e nada
devem às religiões mistéricas: entre outras coisas,
porque essas religiões não têm importância no
império antes do século II d. C., porque também a
idéia da vinda de um redentor a este mundo não
está documentada nessas formas de espiritualidade
antes do século II d. C. Por outro lado, Paulo não
menospreza o Jesus histórico, mas o considera fundamento
de sua pregação. Cita as suas palavras na
Última *Ceia (1Cor 11,23-26) conforme o que lhe
ensinaram; insiste tanto na humanidade de Jesus
(Gl 4,4), em sua ascendência davídica quanto na
sua filiação divina (Rm 1,3-4). A própria idéia de
culpa universal da humanidade e da necessidade
da *expiação não é originalmente paulina; relaciona-
se com o próprio Jesus, que chamou todos à
*conversão (Lc 13,1ss.) e se apresentou como o
*messias-Servo de YHVH — *Filho do homem,
que assumiu essa mesma visão e insistiu que se
entregava à morte em resgate por muitos (Mc
10,45); insistiu que a *Nova Aliança baseava-se
em seu sangue derramado pelos homens (Mt 26,26-
29 e par.). Paulo afirmou a divindade do Filho (Fl
2,5ss.; Cl 2,9; Tt 2,13 etc.), mas o próprio Jesus já
se identificara com *hipóstase como a Sabedoria
e aplicou a si mesmo títulos impregnados do conceito
de divindade como o de *Senhor ou de *Filho
de Deus. Nos evangelhos também são aplicados
a Jesus textos relacionados originalmente com
YHVH (por exemplo, *pedra de tropeço) ou títulos
hipostáticos como Logos (ver também
*Memrá). E ainda: a escatologia paulina (como se
encontra, por exemplo, nas Epístolas aos
Tessalonicenses) é descrita em termos que têm
claríssimos paralelos com a *apocalíptica judaica
(e até não-cristã) do período. Em seu conjunto
pode-se afirmar, com F. F. Bruce, que Paulo, embora
difira no estilo do ensinamento de Jesus, repete
suas ênfases fundamentais.
F. F. Bruce, Paul...; Idem, Acts...; Idem, Paul and Jesus,
Grand Rapids 1982; W. D. Davies, Paul...; C. Vidal
Manzanares, El judeo-cristianismo...; J. A. Fitzmyer,
Teología de san Pablo, Madri 1975; E. P. Sanders, Paul...;
Idem, Paul, the Law...; M. Hengel, The Pre-Christian Paul,
Filadélfia 1991; E. Cothenet, San Pablo en su tiempo, Estella
1995; Resenha Bíblica n. 5, San Pablo, Estella 1995.