Pureza e impureza

 
PUREZA E IMPUREZA
Os textos paulinos relacionados com a pureza
estão nas passagens que tratam de controvérsias
sobre alimento* (G1 2,11-19; ICor 8; 10,14—
11,1; Rm 14,1-15,13), sobre o pecado sexual
nas Igrejas (ICor 5) e em textos isolados das
cartas Pastorais que falam do coração puro e da
consciência pura (ver Consciência pura). Paulo
examina a pureza e a impureza de dois ângulos,
o da pureza cerimonial da lei mosaica (ver Lei
mosaica) e o da pureza moral.
1. Pureza e impureza cerimoniais
2. Pureza e impureza morais
3. Base
1. Pureza e impureza cerimoniais
A postura paulina em questões de pureza cerimonial
representa um ponto de vista esclarecido.
Paulo toma o cuidado de fazer uma distinção
entre sua visão da pureza dos alimentos e
os escrúpulos dos outros que ainda se baseiam
nas leis dietéticas judaicas.
1.1. A postura paulina quanto à pureza e
à impureza cerimoniais de Israel. Como alguém
que morreu para a Lei mosaica (G12,19),
Paulo já não considera as leis dietéticas judaicas
obrigatórias para os cristãos. Assim, ele
aceita o ensinamento de Jesus de que nenhum
alimento pode ser chamado de impuro. A palavra
koinon, que ele usa em Romanos 14,14 e
significa “comum” ou “impuro”, refere-se claramente
a um estado impuro em relação às leis
judaicas de pureza cerimonial (cf. IMe 1,47.
62). Como Paulo está convencido de que nenhum
alimento é impuro, ele assume um ponto
de vista liberal quanto à carne oferecida aos
ídolos* (ICor 10,25-26). O Paulo cristão ocupa-
se de ritos de purificação relacionados com
votos especiais, mas isso é feito para aplacar
os que o consideravam totalmente antinomiano
(At 21,21-26).
1.2. A postura paulina quanto aos que seguiam
as leis de pureza cerimonial. Apesar de
seu ponto de vista esclarecido quanto aos alimentos,
Paulo toma o cuidado de respeitar a
consciência dos que obviamente se sentem
maculados por alimento cerimonialmente impuro.
Embora creia que nenhum alimento é, na
verdade, cerimonialmente impuro (Rm 14,14.
20; ICor 8,4.8; 10,25-26), Paulo reconhece que,
se alguém se sente cerimonialmente maculado
por determinado alimento, para essa pessoa o
alimento deve ser considerado impuro (Rm
14,14). Esse respeito pela consciência do outro
quanto a questões de pureza cerimonial leva
Paulo a atribuir grande responsabilidade aos fortes
de consciência para que evitem ofender os
fracos (ver Forte e fraco). Desse modo, ele diz
aos coríntios para se abster da carne quando souberem
que um comensal ficará perturbado ao
vê-los comê-la (ICor 10,28). De modo semelhante, 
Paulo diz aos romanos que evitem consumir
qualquer alimento que ofenda outro cristão
(Rm 14,21; ver Roma).
2. Pureza e impureza morais
Os escritos paulinos a respeito da pureza moral
tratam do assunto em sentido individual e em
sentido comunitário.
2.1. A postura paulina quanto à pureza moral
para os indivíduos. O ensinamento paulino
quanto à pureza individual abrange os níveis
físico e espiritual (2Cor 7,1). Assim, vemos
palavras fortes a respeito da necessidade de
permanecer puro no comportamento físico (Rm
13,13-14; lTm 5,22; Tt 2,5). A base dos apelos
paulinos à pureza física é seu entendimento de
que o corpo individual é “para o Senhor” e é
templo* do Espírito Santo* (ICor 6,13.18-19).
Mais comuns na literatura paulina são os
incentivos à pureza interior. Desse modo, nas
Pastorais, temos referências à pureza de consciência
(lTm 3,9; 2Tm 2,22). A principal contribuição
paulina à idéia de pureza moral é quando
ele ensina que a impureza cerimonial não afeta
a pureza moral (ICor 8,4; Rm 14,14). Isso representa
um grande passo adiante na decisão do
Concilio de Jerusalém (At 15,20). A doutrina
paulina da pureza moral individual precisa ser
entendida também à luz de seu senso individual
de responsabilidade moral para transmitir aos
outros a mensagem do Cristo ressuscitado. Assim,
lemos seus testemunhos de inocência, ou de
ser maculado pelo sangue dos outros (At 18,6;
20,26). Paulo se preocupa com a questão de ser
ou não contaminado pela descrença dos outros,
mas se considera puro ou sem culpa quanto à
mensagem que foi encarregado de transmitir.
Tais testemunhos vêm do entendimento que
Paulo tem de sua vocação (ver Conversão e vocação)
à luz da responsabilidade profética de
transmitir perfeitamente a mensagem de Deus
(Jr 1,5.17; Ez 3,16-21; At 9,15; 26,16-20; ICor
9,16; ver Profeta, Paulo como).
2.2. A postura paulina quanto à pureza
moral para a Igreja. Por causa de sua visão da
Igreja como corpo de Cristo (ver Corpo de
Cristo), Paulo ensinou que a impureza de um
membro contamina um dado corpo de fiéis
(ICor 5,6-7.13). E por causa disso que os membros
precisam estar vigilantes para preservar a
pureza comunitária, algo pelo qual mais tarde
Paulo elogia os coríntios* (2Cor 7,11). O propósito
dessa ênfase na pureza é a apresentação por
Paulo de uma Igreja pura para Cristo (2Cor
11,2). Vemos aqui uma motivação para a pureza
que se origina da esperança* escatológica*. Isso
está mais claro em 1 João 3,1-3 e é evidente
também nos manuscritos do Mar Morto (1QS
5,13-20; 8,4-10; 9,3-6; ver Qumran). Entretanto,
o motivo primordial da ênfase paulina na
pureza não é essa esperança escatológica (exceto,
talvez, em Rm 13,11-14). Ela se baseia,
antes, em seu sentimento da eleição* divina dos
cristãos para serem como Cristo (Rm 8,29-30).
Seguir Cristo envolve despir a impureza moral,
a fim de ser purificado pela obra expiatória de
Cristo (Rm 3,21 -26; 6,19) e pelo poder de Espírito
Santo (lTs 4,7-8; cf. 2Ts 2,13). Paulo entende
que o batismo* é o símbolo desse processo
de purificação (Rm 6,3-4; Ef 5,26).
3. Base
A base do ensinamento paulino quanto à pureza
é seu conhecimento do Jesus histórico, não as
visões gregas de pureza (ver Jesus, Palavras de;
Jesus e Paulo). A declaração paulina em Romanos
14,14, que sabe “pelo Senhor Jesus: nada
em si é impuro”, relaciona-se diretamente a tradições
preservadas em Marcos 7,15-19. Essa visão
de que a impureza não estava em determinado
objeto também se repete em um elemento do
judaísmo primitivo (Tanhuma Huqat 26: Pesiqta
de Rab Kahana), por isso não podemos dizer
que esse ensinamento era considerado único na
Palestina do século I. A percepção de tudo como
puro para os que são puros em Tito 1,15 parece
relacionada ao logion de Jesus preservado em
Mateus 6,22-23.
Ver também B a t ism o ; C o n s c iê n c ia ; É t ic a ;
A l im e n t o o fe r e c id o a o s íd o l o s e l e is d ie t é t ic a s
j u d a ic a s ; S a n t i d a d e , s a n t if ic a ç ã o ; E sp ír it o
S a n t o ; Je r u s a l é m ; Id o l a t r ia ; L e i; S e x u a l id a d e ,
é t ic a s e x u a l ; P e c a d o , c u l p a ; T e m p l o .
b i b l i o g r a f i a : B. Janowski, H. Lichtenberger.
“Enderwartung und Reinheitsidee: Zur eschatologischen
Deutung von Reinheit und Sühne in
der Qumrangemeinde”. JJS 34, 1983, 31-59; J.
PUREZA E IMPUREZA
PUREZA E IMPUREZA
Neusner. The Idea o f Purity in Ancient Judaism.
SJLA 1, Leiden, E.J. Brill, 1973; M. Newton.
The Concept o f Purity at Qumran and in the
Letters o f Paul. SNTSMS 53, Cambridge, University
Press, 1985; J. Neyrey. Paul, In Other
Words: A Cultural Reading o f His Letters. Louisville,
Westminster/John Knox, 1990; W. Paschen.
Rein und Unrein: Untersuchung zur biblischen
Wortgeschichte. SANT 24, München, Kösel,
1970; J. P. Sampley. And the Two Shall Become
One Flesh ’: A Study ofTraditions in Ephesians
5:21-33. SNTSMS 16, Cambridge, University
Press, 1971.
M. R e a s o n e r