Mateus, Evangelho de

1. Autoria e datação. Papias (m. 130 d.C) ressaltou
que o *apóstolo Mateus recolhera os oráculos
(logia) de Jesus em hebraico (ou aramaico)
e que depois o texto foi traduzido (Eusébio, HE
3,39,16). Irineu (Haer 3,1,1) datou o texto na época
em que *Pedro e *Paulo estavam em Roma, o
que situaria a redação no início dos anos 60 do
século I. Essas notícias — repetidas com matizes
por outros autores cristãos dos primeiros séculos
— prestam-se a diversas interpretações. Uma seria
a de identificar o texto de logia de Mateus com
o evangelho que leva seu nome (Guthrie, Zahn,
Lagrange, Tasker, Maier, Wenham). Conforme
outra, os logia escritos por Mateus seriam *Q
(Mayer, Hill, Allen, Plummer, Manson, Moule
Marta
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etc.). Para outros autores, a declaração de Papias,
Irineu e outros carecia de base histórica (Kümmel,
Marxsen). Atualmente, abre-se caminho progressivamente
para a tese de que o Mateus atual em
grego é o mesmo a que se referiu Papias e que a
expressão “em hebraico” faria referência não tanto
à língua de redação, mas ao seu estilo.
Quanto ao autor do evangelho, continua sendo
hoje em dia uma questão aberta. Certamente,
não existem argumentos de peso para negar a identificação
tradicional do autor com o apóstolo e
sim algumas razões que encaixariam neste como
o enfoque judeu, a crítica dos escribas e *fariseus
— lógica em um antigo *publicano (Mt 23 etc.).
É bem possível que as primeiras cópias da obra
não contivessem referência à autoria de Mateus,
e isso obriga a evitar as explicações dogmáticas.
Quanto à datação, costuma situar-se em alguma
data por volta de 80 d.C. (o que, indiretamente,
dificultaria aceitar Mateus como o autor do evangelho).
Sem dúvida, a base fundamental para se
chegar a essa afirmação é — como no caso de
*Lucas — a pressuposição, difícil de ser susten-
Início do evangelho segundo Mateus
(Códice Vaticano, séc. IV)
Mateus, Evangelho de
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tada, de que a pregação de Jesus sobre a destruição
do Templo é um “vaticinium ex eventu”.
Como Lucas, Mateus utilizou Q e não se pode
descartar uma datação anterior a 70 d.C. pelas
mesmas razões já aduzidas em relação a Lucas,
exceto a relacionada com o Livro dos Atos (ver:
Lucas).
2. Estrutura e conteúdo. Possivelmente, a estrutura
de Mateus é a que tem originado mais discussões
por parte dos especialistas. B. W. Bacon
(1918 e 1930) assinalou que Mateus ordenara seu
evangelho sobre a base de cinco discursos alternados
com material narrativo. Essa ordem seria:
1. Discipulato (3,1-7,29). 2. Apostolado (8,1-
11,1). 3. Revelação desconhecida (11,2-13,53). 4.
Ordem eclesial (13,54-19,1a). 5. Juízo (19,1b-
26,2) e Epílogo (26,3-28,20). Outros autores
(Lagrange, Plummer, Zahn) encontraram no texto
uma ordenação geográfica (nascimento e infância,
preparação para o ministério, ministérios
na Galiléia e nas proximidades da Galiléia, em
Jerusalém, últimos dias). A essas opiniões, somam-
se as que encontram na obra uma estrutura
concêntrica (C. H. Lohr, D. Gooding etc.), biográfico-
teológica (N. B. Stonehouse, J. D.
Kingsbury etc.) ou cronológica.
A mensagem de Mateus apresenta notáveis
coincidências com o esquema que se encontra
presente em outros evangelhos, quanto a seus temas
principais: Jesus, o Reino, a salvação e os
discípulos. Em Mateus, Jesus aparece como o
*messias, dando a esse título um significado de
*preexistência (2,4; 22,41-46), não isento de paralelos
no judaísmo da época. Como messias, supõe
o cumprimento da *Lei e dos *profetas (3,15;
5,17-48; 12,17-21; 13,35; 21,5; 16,42; 22,44;
23,39; 26,31; 27,9; 35,46) e os realiza ao agir
como o *Servo de YHVH (3,17; 8,17; 10,35;
12,17-21; 13,14-15; 21,5.42; 23,39; 26,31.38;
27,9.35.46 etc.). Além de messias, Jesus é o *Filho
de Deus, o título mais importante no evangelho
(3,17; 4,3-6; 11,27; 14,33; 16,16; 17,5 etc.),
num sentido sem paralelo com o de qualquer ou-
Mateus, Evangelho de
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tro ser (11,27). De menor importância são os títulos
de *mestre — que se encarna em seu
ensinamento (c. 5-7; 13,18) e do qual Jesus se
apropria (10,24-25; 23,8; 26,18) e outros lhe atribuem
(8,19; 9,11; 12,38; 17,24; 19,16; 22,16;
24,36) — e de pregador (4,17.23; 9,35 etc.).
Jesus, o messias, inaugura o *Reino de Deus
que, como nos outros evangelhos, já está presente
(6,33; 11,12; 12,28; 13,24-30.36-43; 16,19;
23,13), mas aguarda a sua plena realização futura
(4,17; 5,19; 8,12; 16,28; 25,1-13; 26,29). E, porque
o Reino já foi inaugurado, inicia-se uma era
de salvação ante a qual nenhum ser humano pode
ficar indiferente. Embora sofra oposição (11,12;
13,24-30; 23,13), triunfará e já agora se abre até
para os rejeitados e marginalizados (5,3.10; 8,11-
12; 13,31-32; 19,14; 21,31.43; 22,1-14; 23,13;
24,14), e, para aquele que nele não entra, só existe
uma alternativa: a condenação (16,19; 21,43).
Finalmente, o *Filho do homem consumará o
Reino (13,24-30.36-43.47-50; 16,28; 25,1-13) e
terá lugar o *juízo de Deus (8,12; 18,3; 19,23-24;
20,1-16; 22,1-14 etc), quando aqueles que estão
unidos a Jesus alcançarão a *salvação (10,32-33;
25,31-46).
Para aqueles — a *Igreja — que já entraram
no Reino, abre-se desde já a perspectiva, a possibilidade
e a obrigação de viver conforme seus valores
(4,17; 5,20; 6,33; 7,21; 13,44-45; 18,3.23;
19,12.23-24; 21,31-32; 24,14). A pregação de
Jesus, ao menos temporariamente, será rejeitada
por Israel (Mt 21,33-46), e a Igreja, centrada na
*Nova Aliança inaugurada pelo derramamento
sacrifical do sangue de Jesus (26,26-29), abrirse-
á aos não-judeus (2,1-12; 8,5-13; 15,21-28;
28,16-20 etc.). *Gentios que, junto com os
israelitas que creram, esperam para o presente o
cuidado material de Deus (6,33; 19,29), o descanso
para o espírito (11,29), a presença companheira
e contínua de Jesus (28,20) e, para o futuro,
a aprovação de Deus (6,1; 10,40-42; 16,27;
20,1-16), a vida eterna (19,29) e a comunhão com
o Pai e o Filho (26,27-29).
Mateus, Evangelho de
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P. Bonnard, o. c.; D. A. Carson, Matthew, Grand Rapids
1984; R. T. France, Matthew, Grand Rapids 1986; Idem,
Matthew: Evangelist and Teacher, Grand Rapids 1989; W.
D. Davies e D. C. Allison, Jr. A. Critical and Exegetical
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Edimburgo 1988; U. Luz, Matthew 1-7, Minneapolis 1989;
C. Vidal Manzanares, El Primer Evangelio...; L. Poittevin e
E. Charpentier, El Evangelio...; J. Zumstein, Mateo, el teólogo,
Estella 31993; Resenha Bíblica no 2, Mateo, el escriba
cristiano, Estella 1994.